Nossas vidas são bolhas e espumas

Um dos mais estonteantes trabalhos atuais de filosofia da natureza chama-se Esferas de autoria de P. Sloterdijk cujo primeiro volume intitula-se Bolhas. Diz o autor que a força da moderna ciência da psicologia consiste em ter subtraído a localização humana da alçada da geometria plana para encontrar o sujeito em uma topologia distribuída em redes de conexões (neurais, simbólicas, emocionais): de aproximações e distâncias, de interioridades e exterioridades, como as estrelas ou as estruturas atômicas que sustentam nossas existências. Explica o autor que nossa forma é arredondada. De fato, o feto se dobra no ventre redondo, o bebê se nutre em mamilos arredondados, nossas cabeças lembram uma bola e vivemos num globo solto no espaço. O destino do homem é romper bolhas (no nascimento, na família, na vida) reconstituindo outras esferas de ação. A modernidade foi pensada como uma globalização e os estados nacionais eram esferas autoimunes que produziam a impressão liberal de um território político relativamente plano. Mas esta impressão era o efeito hipnótico de um dispositivo hierárquico de biopoder, o estado soberano, que garantia o sentimento nacionalista da igualdade de direitos dos indivíduos no território às custas do ocultamento do racismo epistêmico.

Mas o avanço da globalização financeira e tecnológica rompeu o sistema imunológico nacional, deslocando os centros de poder para espaços transnacionais e criando redes virtuais com outras texturas morfológicas. A liberdade do mercado cindiu o mundo humano entre cosmopolitas e conservadores. Os primeiros se tornaram vetores de um construtivismo radical que busca explodir as bolhas teológicas; os segundos são grupos que amedrontados com as novas esferas técnicas e robóticas se prendem, desesperadamente, nas lembranças fugazes do passado. Mas o potencial de arredondamento do humano é sempre a condição primeira de uma outra política de esferas capaz de gerar uma poética de espaço interior que seja auto-organizativa impedindo que naufraguemos nas espumas de uma globalização que derrete nossas memórias.

Por Paulo Henrique Martins. Professor de Sociologia da UFPE e Ex-Presidente da ALAS (Associação Latino-Americana de Sociologia)

 

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